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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Humanizar o parto

"Do ponto de vista psicológico, o parto é um momento marcante de rompimento e de renovação."(1)

Quem passa por um parto poderá dizer o que para si seria a humanização do mesmo. Penso que só depois desta experiência se poderá declarar que isto ou aquilo seria ideal. O que para mim seria a humanização não seria talvez para si que lê esta postagem. Eu queria muito, muito mesmo, que o M. ao nascer lá tivesse o pai para o segurar. Para lhe dar, junto comigo o primeiro colo. Para que, tal como eu fiz, pudesse ver os seus olhos ávidos de vida e de contacto humano. Para mim, seria essa a humanização do meu parto, do meu momento: Transformar o meu parto num momento a três, embora num hospital público e com médicos, enfermeiras e instrumentalização, mas no fundo ser um momento traduzido na magia da criação de uma família nova.

Mas o parto humanizado não se trata apenas do parto ideal. Ricardo Jones, médico, deixa-nos algumas afirmações sobre a humanização. Convido à reflexão.

"... é a restituição do protagonismo à mulher."
"... é a autonomia feminina na tomada de decisões. As mulheres (...) precisam de ter os seus filhos de forma mais digna e, acima de tudo, de acordo com os seus desejos, vontades e valores."
"... é entender a mulher como sendo essencialmente competente para lidar com questões do nascimento dos seus filhos."(2)

E eu acrescento: é deixar que a mulher possa escolher quem quer ao seu lado naquele momento. É dar-lhe privacidade - fechar a porta da sala de partos teria sido óptimo para mim. Mesmo sabendo que havia ali dentro mais gente além de mim, olhei várias vezes pela porta aberta e ver quem passava no corredor deixava-me ansiosa e desprotegida. Não sei explicar o porquê, mas aquela porta ali escancarada mexeu comigo.

Jones atribui à mulher o papel principal no momento do parto e a ela todas as decisões que este envolve. Não é o local nem o momento  em si que tornam um parto mais humanizado que outro, mas sim o entendimento de como o corpo humano funciona para trazer ao mundo uma nova vida.

"O melhor lugar para ter um filho é onde a mulher se sente segura", seja em casa, no Hospital... A Humanização do nascimento não tem absolutamente nada a ver com o local. É antes uma atitude em relação ao nascimento e à mulher. E pode ter-se essa atitude seja qual for o local do nascimento. Mas Jones vai mais longe e tece duras críticas ao modelo obstétrico praticado no mundo ocidental. (2)
"A obstetrícia no mundo ocidental é um modelo mitológico, não é racional." É fruto de um saber que tem passado de geração em geração, ou seja, de professor para aluno. Para este médico, muitas das práticas utilizadas são desnecessárias e tornaram-se vulgarizadas na actuação médica, tais como a episiotomia que não encontra "sustentação na medicina baseada em evidências." Para ele, "as lavagens intestinais, ou enemas, tricotomias (raspagem dos pêlos), a posição deitada para parir em vez de uma posição verticalizada, a utilização de infusões intravenosas por rotina no hospital têm de ser abandonadas porque são práticas mitológicas."(2)

Dá que pensar se tudo a que somos sujeitas no momento do parto seria realmente necessário ou poderia ser, de alguma forma, evitado.

Jones considera "a dor no trabalho de parto" como apenas um aspecto do processo e não o seu "foco". E apresenta outra dor além da física: "a dor social" baseada no facto de que ao ouvirmos tantas vezes que vai doer. Esta é a dor "que é criada pela cultura."(2) "Quanto mais medo, mais tensão. Quanto mais tensão mais dor, quanto mais dor mais medo. Isto faz libertar adrenalina, a hormona do medo. A adrenalina é extremamente inteligente e benéfica para a nossa espécie." No parto, ela "fecha a musculatura circular baixa do útero" quando a queríamos era aberta para deixar passar o bebé. Pode até fazer parar as contracções. Por isso é benéfico que a mulher na hora do parto esteja o mais calma e sem medos possível diminuindo a sua desnecessária libertação e auxiliando o trabalho de parto.



Bibliografia:

(1)-ESTEVES, Ana, "Os primeiros dias de uma mãe", Pais e Filhos, Junho de 2007;
(2)-ESTEVES, Ana, "Humanizar o parto é restituir o protagonismo à mãe", Pais e Filhos, Dezembro de 2006;

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